8 de novembro de 2009

O casamento da ILGA (segunda parte)


A associação ILGA Portugal foi a primeira associação a avançar em Portugal com a proposta de casamento homossexual, através de uma carta aberta datada de 28 de Maio de 2004 e assinada pela direcção e pelo Grupo de Intervenção Política daquela associação (a direcção actual é outra). Nessa carta ficou lavrada a forma como a ILGA partia para este combate: “As objecções quanto ao casamento civil para gays e lésbicas têm (…) uma só fonte: a homofobia”. Nenhuma dissidência seria tolerada.


É a ILGA que tem feito do casamento gay um cavalo de batalha, mesmo quando as outras associações LGBT levantam dúvidas sobre isso. É esclarecedor o quadro comparativo sobre a posição de associações LGBT em relação ao casamento que o antropólogo e activista gay Miguel Vale de Almeida inclui no seu recente ensaio A Chave do Armário (p. 195).



Vale de Almeida fala de seis associações: ILGA, Ex Aequo, Clube Safo, Panteras Rosa, Opus Gay e Não te Prives. As que estão totalmente a favor são, segundo ele, três: ILGA, Ex Aequo,, Clube Safo e Não Te Prives. Se atendermos a que a Não Te Prives (de Coimbra) tem escassa visibilidade e actividade, que o Clube Safo está praticamente desactivado e que Ex Aequo orbita em torna da ILGA (com a qual, aliás, divide a sede, no Martim Moniz, em Lisboa), temos a ILGA como única defensora do casamento gay.


Isto tem a maior importância para este debate: antes de Maio de 2004, o casamento gay era uma ideia impensável para os homossexuais em Portugal. Hoje, há os que dizem que sempre se quiseram casar, que a ideia lhes é querida, mas antes de Maio de 2004 nunca ninguém se lembrou disso. A ILGA fala hoje por todos os homossexuais portugueses sem saber o que realmente pensam os homossexuais portugueses sobre o casamento: estarão a favor, têm mais a perder do que a ganhar, sentem que a causa do casamento lhes interessa, os beneficia ou prejudica? Perguntas sem resposta.


Não é abusivo concluir que só quando a Holanda avançou com a legalização do casamento gay, em 2001, é que alguns sectores do activismo gay de vários outros países passaram a defender a mesma ideia.


Nos EUA, indica o histórico activista David Mixner na entrevista abaixo (Público, 13 de Julho de 2009), só depois de um primeiro casal homossexual ter avançado para tribunal no Massachusetts, em 2001, reivindicando o direito ao casamento, é que ele percebeu que o casamento gay poderia ser uma realidade. Questionado sobre se nos anos 80, quando tinha uma relação estável com outro homem, pensou casar, David Mixner não podia ser mais claro: “Nessa altura nem sonhávamos com isso.”


Durante décadas, por influência do feminismo, o casamento era uma instituição criticada e menorizada pelo movimento gay (coisa que hoje se tenta fazer de conta que nunca aconteceu).


Parte da história do activismo gay moderno (pós-1969) tem sido reescrita no sentido de eliminar duas pedras na engrenagem do casamento gay: as posições totalmente desfavoráveis ao casamento, assumidas pelo feminismo radical e pelo activismo gay durante décadas, e a consabida promiscuidade sexual dos homens gay (natural ou cultural, pouco importa para o caso).


O escritor gay britânico Mark Simpson tem denunciado este revisionismo histórico. No artigo "Respectability is the new closet", publicado em Junho deste ano no 'site' do jornal The Guardian, Simpson afirma:

Gays must now be terribly respectable since, forty years on from the Stonewall riots started by drag queens, hustlers and homeless youths high on drugs – outsiders with nothing to lose – gays have moved up in the world, become middle-aged and promptly found plenty of things to be ashamed of. Like all arrivistes, and like Shaw’s most famous creation Eliza Doolittle, they’re particularly ashamed of their past.

(...)

In their headlong pursuit of respectability – and let’s not pretend that marriage privileges are not at least as much about respectability as about equality – most gays that aren’t ‘cult’ writers like Bruce Benderson or Michael Warner seem to have forgotten that gay sex isn’t terribly respectable, and that it never will be no matter how much you talk up gay domesticity.

A propaganda dos defensores do casamento gay pretende esconder da opinião pública argumentos que directa ou indirectamente levem à contestação dessa proposta. Tem havido um esforço para construir a imagem de um idílio amoroso gay, à maneira do dos nubentes heterossexuais.


Se são tão românticos, amorosos, sérios, fiéis e normais como os “hetero”, porque não podem os homossexuais casar-se? Eis a retórica subliminar dos activistas pro-casamento, não só em Portugal.


3 comentários:

  1. este blogue é uma vergonha

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  2. O casamento gay não é respeitável? Mas pelos vistos a homofobia é muito respeitável...

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  3. Jorge: o primeiro 'post' deste blogue tenta demonstrar que a constestação ao casamento gay não é uma forma de homofobia:

    "Estar contra o casamento gay não é ser conservador, católico acéfalo ou extremista de direita. Quem recusa os preconceitos segundo os quais as relações entre lésbicas e entre gays são incorrectas, anti-naturais ou menos importantes do que as relações entre pessoas de sexo diferente, também pode rejeitar o casamento gay. Uma rejeição que passa não apenas pela objecção de consciência perante a possibilidade legal consumada, mas também pela contestação antecipada dessa possibilidade.
    Não se tresleia, pois, este blogue à procura de homofobia. Ela manda dizer que não está."

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