Razões para ser contra o casamento gay, que não as que derivam da homofobia? Há muitas. A mais recente é talvez a mais importante. O projecto do PS que visa legalizar o casamento gay incluirá uma cláusula que veda aos futuros casais gay casados a adopção de crianças (a adopção é apenas uma parte de uma questão maior chamada homoparentalidade, mas é uma parte importante).
Ninguém conhece ainda o projecto do PS, que deverá ser apresentado antes do Natal, segundo disse o líder do grupo parlamentar socialista, Francisco Assis, ao jornal i. Ninguém conhece, mas uma declaração recente do primeiro-ministro explicou o que aí vem: “Noto que na bancada do CDS houve uma evolução. Já não põem em causa que eu tenha mandato para o casamento, só põem em causa que eu tenha mandato para a adopção. Concordo consigo. É simples também estabelecer um acordo. Concordo, nós temos mandato para o casamento”, disse Sócrates há uma semana no Parlamento, durante a discussão do programa do Governo.
Nem era preciso termos ouvido aquela declaração. O próprio programa do Governo esclarece que a adopção por casais gay é para ficar de lado: “O compromisso do Governo assenta em (…) remover as barreiras jurídicas à realização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.” Nem mais uma palavra.
Não é certo que seja a proposta socialista a vingar. Também o Bloco de Esquerda e Os Verdes têm propostas para o casamento gay e já as entregaram em Outubro na Assembleia da República. O Bloco é favorável à adopção, Os Verdes não são.
Uma coisa é certa: se a proposta socialista tiver uma maioria de votos, e, como tudo indica, vedar a adopção por casais gay, é uma nova discriminação que se inicia em Portugal por força de uma lei: a dos casais de primeira, heterossexuais, que podem adoptar; e a dos casais de segunda, homossexuais, que não podem exercer todas os direitos de casal.
É bom não esquecer que o PS teve, para as legislativas de 27 de Setembro, o apoio do activismo gay português que é favorável ao casamento. Elegeu até, como independente, um deputado que é militante da ILGA Portugal e um dos principais activistas gay portugueses.
A estes activistas, que tomaram de assalto a vontade dos homossexuais portugueses na questão do casamento, não se ouviu ainda uma palavra sobre a nova discriminação que aí vem, sendo certo que a adopção gay e a homoparentalidade já deveriam estar reguladas pela lei há muito tempo e são muito mais importantes do que o estado civil das pessoas – os pais são pais, independentemente do contrato que assinam entre eles.
Há um paralelismo espantoso entre isto que se está a passar em Portugal e o que aconteceu no início da década de 90 nos EUA, quando da eleição de Bill Clinton. Como conta o livro Unfriendly Fire (2009), do historiador Nathaniel Frank, Clinton ganhou as presidenciais de 1992 com a promessa de revogar as normas militares que desde os anos 20 classificavam a sodomia e a homossexualidade como crimes militares. A campanha eleitoral foi altamente financiada pelo lobby gay (David Mixner foi a figura central nessa angariação de fundos). No entanto, contra tudo, Clinton fez aprovar em 1994 uma política militar altamente discriminatória para os militares homossexuais, que ainda hoje vigora: a política Don’t Ask, Don’t Tell, Don’t Persue, segundo a qual todos os militares gays têm que reprimir a sua orientação sexual perante os outros.
O que levou a esta reviravolta foi a pressão de grupos religiosos, de altas patentes militares, incluindo o general Colin Powell, mais tarde secretário de Estado de George W. Bush, e de dois nomes fundamentais: o sociólogo Charles Moskos e o senador Democrata Sam Nunn.
Pelas contas de Nathaniel Frank, a política Don’t Ask, Don’t Tell levou ao afastamento de mais de 12 mil militares entre 1994 e 2007 e custou ao erário público americano 364 milhões de dólares.
Se, para o autor do blogue, não deve existir casamento entre pessoas do mesmo sexo, não vejo porque se preocupa com a discriminação que resultaria de uma interdição de adopção. Aceita a primeira discriminação, mas não a segunda? Neste momento a adopção gay é possível, se o adoptante seguir a política "don't tell", que em Portugal é afinal o que fazem a maioria dos homossexuais. Regular a homoparentalidade e a adopção gay? Como neste momento não existe "regulação" nem casamento entre pessoas do mesmo sexo, só poderia ser através da determinação da orientação sexual do progenitor ou adoptante. Para quê? Com que objectivo? Não será que em democracia o objectivo é o tratamento igual de todos os cidadãos?
ResponderEliminarNão me parece, aliás, que nos EUA fosse melhor a política de repressão e criminalização da homossexualidade em meio militar do que a política do "don't ask, don't tell" que o parece incomodar tanto. Continuo a não descortinar uma linha lógica de pensamento nos seus textos, a não ser a vontade de impedir o acesso ao casamento.
O que é melhor? A criminalização, o "don't ask, don't tell", ou o avanço para a igualdade, neste caso através do casamento?
Quanto à inclusão da adopção no pacote de alteração das leis do casamento, é decerto uma questão incómoda. Será muito incómoda se a lei previr textualmente uma interdição. Todavia, para mim são duas questões distintas. E o acesso ao casamento parece-me ser mais importante, no caminho para a igualdade de tratamento perante a Lei e a sociedade, do que o acesso à adopção, que já é uma matéria tratada caso a caso, e da qual se encontram excluídas outras categorias de pessoas, sem que isso possa ser considerado uma discriminação, por razões que se prendem com o interesse da criança.
Bruno, olha que não.
ResponderEliminarExistem, já, hoje, várias discriminações na Lei.
No Código Civil (casamento); na Lei das UFs (já lá está explícita, já existe a exclusão da adopção na Lei); na lei da PMA (exclui explicitamente mulheres em UF com outra mulher).
Mesmo abolindo uma, as outras vão continuar... até serem alteradas.
Anónimo: sei que essas discriminações já hoje existem. O que digo é: é inconcebível que quem defende o casamento gay esteja a construir, a partir dele, uma nova discriminação. Ou não? Ou devemos achar bem que quem diz estar a lutar pela igualdade não se importe de criar uma discriminação? Parece-me que vedar a adopção aos gays casados é que é uma violação do artigo 13º da Constituição (mas não sei, não sou jurista, nem acho que debate deva ser legalista).
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